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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0.944.369-0 (N.P.U: 0002505-58.2006.8.16.0025) DA VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA DA COMARCA DA RMC Apelante: DORA LÚCIA FARACO Apelado: DONATO ALBERTO E OUTRO Relator1: Juiz Subst. 2º G. FRANCISCO JORGE Revisor: Desembargador LUIS SÉRGIO SWIECH
EMENTA AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. POSSE EXCLUSIVA, COM ANIMUS DOMINI, SEM OPOSIÇÃO DOS DEMAIS HERDEIROS. LAPSO TEMPORAL PREENCHIDO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição Federal pátria deu novos contornos ao direito de propriedade, primando por sua função social e garantindo o direito fundamental à moradia, dessa forma, entende-se que "o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. [...]" (STJ, 4ª T., REsp 668131/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.09.2010). 2. Restando evidenciado que os apelados exerciam a posse com animus domini sobre o imóvel objeto da presente demanda, de forma exclusiva, sem oposição dos demais herdeiros a cerca de 40 (quarenta) anos, encontram-se presentes os requisitos para o reconhecimento da prescrição aquisitiva, impondo-se a manutenção da sentença. 3. Apelação Cível à que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, examinados e discutidos os autos supra identificados, acordam os magistrados integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Juiz Relator, com a participação dos Srs. Desembargadores LUIS SÉRGIO SWIECH, Revisor, e TITO CAMPOS DE PAULA, sob a presidência do Sr. Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA.
Curitiba, 21 de agosto de 2013. Juiz Francisco Jorge Relator
Voto
I. Relatório
Insurgem-se a requerida contra sentença proferida nos autos da ação de usucapião, sob nº 958/2006, pelo Juízo da Vara Cível do Foro Regional de Araucária da Comarca da RMC, que julgou procedente o feito, declarando o domínio dos requerentes apelados sobre a área de terreno urbano, situado no Centro da Cidade de Araucária-PR, com 1.775,95 m², nº 431, com frente à Praça Vicente Machado esquina com a Rua Diógenes Brasil Lobato (fls. 244-252).
Preliminarmente, sustenta que a r. decisão estaria equivocada, pois, os apelados seriam em verdade herdeiros necessários do de cujus, proprietário do imóvel em questão, de modo que, tendo em vista que o bem integra o espólio e, portanto, é indivisível até que se proceda a partilha, assim como que a herança e a propriedade se transmitem imediatamente após a morte aos herdeiros, a ação de usucapião não seria adequada no caso dos autos, independente do lapso temporal da posse direta dos apelados. Além disso, aduz que tanto os requerentes como a requerida já são proprietários do imóvel em condomínio, razão pela qual não se poderia declarar a prescrição aquisitiva em favor daquele que já é titular do direito, ainda que em pé de igualdade com os demais herdeiros, devendo o feito ser extinto sem resolução do mérito.
Ademais, no mérito, afirma que, na forma do art. 1.784/CPC, a situação dos autos trata-se de uma composse entre todos os herdeiros do bem discutido, não havendo como restar configurado o animus domini dos apelados, até porque os requeridos não teriam perdido a posse indireta da coisa, sendo que os requerentes apenas exerceriam a posse direta sobre o imóvel por presumida tolerância dos demais herdeiros, restando, assim, ao menos enquanto subsistir indivisa a coisa, afastada a pretensão dos requerentes de usucapir o bem, ante a falta de interesse jurídico, bem como porque não configurados os requisitos da usucapião, tais como a posse e o domínio.
Por fim, pede o conhecimento e provimento do
presente recurso, para que o feito seja extinto sem resolução do mérito, tendo em vista a impossibilidade de usucapião por coproprietários ou, em não sendo este o entendimento, a reforma da r. sentença, julgando-se totalmente improcedente a presente usucapião (fls. 260-275).
Recebido o recurso no efeito devolutivo e suspensivo (fls. 280), os apelados apresentaram contrarrazões, refutando os argumentos levantados pela apelante, pleiteando a manutenção da r. sentença (fls. 282-292). Subindo os autos a esta Corte, a d. Procuradoria Geral de Justiça, pelo ilustre procurador WALTER RIBEIRO DE OLIVEIRA, opinou pelo conhecimento e desprovimento do presente recurso de apelação, a fim de que seja mantida a sentença recorrida (fls. 305-307).
Eis, em síntese, o relatório.
II. Fundamentos
Trata-se de apelação interposta em face de sentença -- proferida pelo magistrado EVANDRO PORTUGAL --, do Foro Regional de Araucária da Comarca da RMC --, que julgou procedente o feito, declarando o domínio dos requerentes apelados sobre a área de terreno urbano, situado no Centro da Cidade de Araucária-PR, com 1.775,95 m², nº 431, com frente à Praça Vicente Machado esquina com a Rua Diógenes Brasil Lobato (fls. 244-252).
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade -- tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo --, e intrínsecos -- legitimidade, interesse e cabimento --, merece ser conhecido o presente recurso.
A controvérsia neste feito diz respeito à possibilidade, ou não, dos autores obterem declaração de domínio por usucapião do imóvel descrito na inicial (área de terreno urbano, situado no Centro da Cidade de Araucária-PR, com 1.775,95 m², nº 431, com frente à Praça Vicente Machado esquina com a Rua Diógenes Brasil Lobato).
Pois bem.
Primeiramente, no que tange a preliminar aduzida
nas razões recursais, tem-se que seus fundamentos se confundem com o próprio mérito, pelo que assim serão analisadas.
Dito isso, cabe ressaltar que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei.
O civilista CARLOS ROBERTO GONÇALVES bem leciona que: "... o fundamento da usucapião está assentado no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-se de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número pleitos, planta a paz e a tranqüilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigo..." 2.
Ainda, tendo em vista que a questão posta a exame exige verificar-se se estão presentes os requisitos autorizadores do cabimento e procedência do pedido de usucapião, conforme disposição do artigo 1.238 do Código Civil, importante ressaltar que, ao se tratar da posse necessária ao reconhecimento da usucapião, o legislador pátrio acabou por exigir o elemento subjetivo, que se revela como a intenção de ter a coisa como sua. Daí que a posse para efeitos da usucapião exige como seu elemento constitutivo o corpus e o animus. Ou seja, pelo Código Civil, para o reconhecimento da posse ad usucapionem, é necessário um estado de fato, acrescido de ânimo de dono, em que se converte em direito. A posse ad usucapionem, ou posse própria, então, é aquela em que há exercício dos poderes inerentes à propriedade com animus domini.
Dito isso, ao que se extrai dos autos é que os irmãos PEDRO KARAS e ALBERTO KARAS adquiriram o imóvel (área de terreno urbano, situado no Centro da Cidade de Araucária-PR, com frente à Praça Vicente Machado esquina com a Rua Diógenes Brasil Lobato) (fls.14), sendo que com o falecimento de ALBERTO KARAS, todo seu patrimônio passou por herança a seu 2 Direito Civil Brasileiro, 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237.
filho único, DONATO ALBERTO KARAS (fls. 15), e, mais tarde, com o falecimento de PEDRO KARAS, em agosto de 1977 (fls.13), solteiro a época e sem filhos, sem deixar testamento, todo seu patrimônio, incluindo, evidentemente, o imóvel discutido, transmitiu-se por herança aos seus parentes em linha colateral (Princípio da Saisine), de forma que tanto requerida e requerente, sobrinhos de PEDRO KARAS (art. 1.829/CC), passaram a ser seus herdeiros, sem, todavia, providenciarem a abertura do inventário, a fim de realizar-se a partilha.
Ocorre o que, pela prova documental produzida, restou demostrado que os requerentes vêm realizando o pagamento do IPTU do imóvel desde 1980 (fls. 52-60), e, em audiência de instrução e julgamento, as testemunhas ouvidas foram unânimes em afirmar que os apelados autores residem e exercem a posse sobre o imóvel objeto da lide, sem nenhuma oposição, como se fossem donos de toda a área a mais de 40 anos, como se vê do testemunho de LUCIO ALBINO MOSSON, arrolado pelos autores:
[...] Que faz 40 anos que conhece os autores. Que sempre moraram no local pleiteado. Que conhece o imóvel que moram os autores. Que nunca soube de qualquer oposição a posse mantida pelos autores. Que os autores sempre agiram como se donos fossem. Que os autores exploravam atividade comercial no imóvel; que mantinham um bar. Que não conhece a Dora, requerida. Que não tem conhecimento em relação a herança ou mesmo divisão (fls. 145). Ainda, em depoimento pessoal à própria apelante, requerida, confirma que os requerentes residem e exercem atividade comercial no imóvel, sem saber indicar a quanto tempo ou mencionar que em algum momento houve oposição a posse dos apelados (fls. 147), sem trazer maiores informações do porque nunca foi aberto o inventário, em que pese já se tenha passado muitos anos do falecimento de PEDRO KARAS.
Neste prisma, o caso concreto dos autos exige reflexão, pois, em pese as alegações da apelante, observa-se que PEDRO KARAS havia falecido a mais de 29 (vinte e nove) anos quando da propositura da presente demanda, sendo que em todos esses anos não se tem notícia de que houve a abertura do inventário, ainda, restou evidente que os apelados exercem a posse, ao menos a 40 (quarenta anos) de forma mansa e pacífica sobre o imóvel, como se donos fossem, sem oposição de nenhum dos demais herdeiros, pelo que se constata da análise detalhada dos autos.
E sabe-se que, a Constituição Federal pátria deu novos contornos ao direito de propriedade, primando pela sua função social e garantindo o direito fundamental à moradia, restando certo que "o abandono e a desídia do proprietário podem premiar a posse daquele que utiliza eficazmente da coisa por certo tempo. A prescrição aquisitiva do possuidor contrapõe-se, como regra geral, a perda da coisa pelo desuso e abandono do proprietário" 3.
neste viés, E conforme ressaltado pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA, quando do julgamento do recurso de apelação cível nº 739.068-1:
[...] o Código Civil impõe ao direito de usar, gozar e dispor da coisa, e do direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" o dever de exercê-lo "em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais"(CC, art. 1.228, §1o). Desta forma, se alguém é privado da posse de um bem e mantém-se inerte por um longo período de tempo, age de modo a deixar que a função social da propriedade milite em prol de outrem, desfigurando seu próprio direito, que falece, já que destituído de um de seus elementos essenciais. Assim, pode-se concluir que, no caso dos autos, ainda que os autores, apelados, sejam herdeiros do falecido proprietário das áreas, assim como a própria apelante, não parece viável falar que os requerentes apenas tinham a posse direta do imóvel por mero ato de tolerância dos demais herdeiros, como quer a apelante, até porque não traz maiores provas neste sentido, especialmente pelo lapso temporal transcorrido sem qualquer oposição a esta posse, conforme confirmam as testemunhas ouvidas em audiência de instrução e julgamento, evidenciando-se, sim, verdadeira omissão dos demais herdeiros.
Ainda, impera-se ressaltar que, a ausência do exercício do direito pelos demais herdeiros (desídia), mesmo que a posse dos apelados fosse de início exercida por mera tolerância, pode acarretar em uma inversão do caráter da posse, "[...] permitindo que o aproveitamento econômico do domínio passe a ser exclusivo, com o exercício pleno dos poderes inerentes à propriedade. Ocorre verdadeira inversão do caráter da posse, já que observados os elementos objetivos (objeto e lapso temporal) e subjetivos (animus domini)". (TJPR - 17ª C.Cível - AC 739068-1 - Paranavaí - Rel.: Lauri Caetano da Silva - Unânime - J. 3 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p157.
Como, então, no caso dos autos resta comprovado que os apelados 08.06.2011). exerciam a posse sobre o imóvel de maneira exclusiva, sem oposição dos demais herdeiros, preenchendo os requisitos atinentes a usucapião, nítida a legitimidade dos autores para propor a presente demanda declaratória, como reconhece a jurisprudência:
AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA- SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. [...] (STJ, 4ª T., REsp 668131/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.09.2010). De tal modo, restando evidenciado que os apelados exerciam a posse com animus domini sobre o imóvel objeto da presente demanda, de forma exclusiva, sem oposição dos demais herdeiros, a cerca de 40 (quarenta) anos, presentes os requisitos para o reconhecimento da prescrição aquisitiva. E, por essas razões, impõe-se manter a sentença, ainda que por fundamentos um pouco distintos, mas que na essência dos dela não destoam, e, de consequência, negar provimento ao presente recurso.
III. Conclusão
ANTE AO EXPOSTO, nego provimento ao presente recurso.
É o voto.
Curitiba, 21 de agosto de 2013. Juiz Francisco Jorge Relator FCJ/jzf
-- 1 Subst. Des. Vicente Del Prete Misurelli
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